domingo, 5 de junho de 2016

CULTURA - HISTÓRIAS DE MARC SOUZA - CLARICE


Clarice sempre fora uma mãe dedicada e mulher exemplar. Advogada de formação e dona de casa por opção, Clarice abandonou uma carreira promissora em um dos melhores escritórios de advocacia do país, por uma vida tranqüila, ao lado da pessoa que sempre amou em toda a sua vida, Emílio, médico pediatra e de seus filhos. Dois, estes, como ela sempre dizia: seus bens mais preciosos.
Perdidamente apaixonada por sua família, Clarice era muito feliz pelas escolhas que fizera em sua vida. Sentia-se realizada; Tinha um bom marido. Filhos maravilhosos. Uma vida perfeita.
            Aquele dia era um dia muito especial para Clarisse. Emilio faria cinqüenta anos e ela queria lhe fazer uma surpresa. Por isso, convidou seus amigos e familiares para uma festa, uma grande festa.             
            Uma festa inesquecível.
            Como Emílio saia de manhã e só voltaria à noite, ela teria o dia todo para organizar a tão sonhada festa. Tão merecida festa. E, o que era melhor, Emílio nem desconfiaria da surpresa.
            Os dias anteriores não foram fáceis para ela, ter que esconder de Emílio o que tramara por meses era quase que impossível. Não sabia mentir. Não sabia omitir.  Em vários anos de casamento nunca mentira ou omitira qualquer coisa de Emílio. Por isso, o simples fato de realizar aquela festa, estava lhe tornando um sofrimento sem fim. Graças a Deus havia terminado. E todo o esforço seria recompensado naquela noite.
            Desde cedo, uma correria tremenda tomou conta de todos. Filhos, empregados e familiares entravam e saiam da casa, todos, sob as ordens de Clarice. Na verdade a casa estava um caos. Uma bagunça só. Mas, todos se esforçavam para fazer o melhor.
            Clarice merecia. Emilio também.
            E tudo, tudo seria perfeito.
            De repente, Emilio chega. Assusta-se com a movimentação. Sem entender procura a emprega, que se esquiva. Nervoso ele vai até Clarice que, a princípio, não sabe o que fazer. Sem opção, sem desculpas para contornar aquela situação Clarice abre o jogo. Conta-lhe tudo. A surpresa fora desfeita. Clarice ficou chateada, afinal, após tanto esforço para manter tudo em segredo, este fora descoberto por causa de um celular que Emilio esquecera.
“Maldito celular” - pensou.
            Emilio, então, friamente olhou-a nos olhos, e sem nenhuma misericórdia, disse-lhe para parar com tudo. Não queria festa alguma. Não queria homenagem alguma.
            Descontrolado, ameaçou nem voltar para casa, caso ela mantivesse aquela idéia e saiu, foi embora. Foi embora sem nem olhar para trás. Não quis ouvir os argumentos dos amigos e dos filhos que estavam lá. Simplesmente se foi.
            Clarice passou a tarde toda a chorar. Trancada no quarto, não atendeu ninguém. À noite, desceu para o jantar. Agiu como se nada tivesse acontecido. E assim foi dia após dia. Nunca disse uma palavra acerca do ocorrido naquela tarde. Mas, todos sabiam que aquela situação a machucara muito. Viam em seus olhos uma tristeza. Uma angustia sem fim. Mas, nunca, nunca reclamou, nunca disse uma só palavra acerca dos seus sentimentos. Uma só palavra acerca dos fatos ocorridos naquele fatídico dia.
            Tempos depois, Clarice adoeceu. Câncer, disseram.
A verdade é que aos poucos Clarice foi morrendo. Sua vida foi esmaecendo. Escapando pelas mãos, como areia. Ela não lutou, nem um instante sequer. Simplesmente se entregou.
Emílio fez o que pode, desculpou-se, pediu perdão, sabia que era a razão do desgosto de Clarice. Mas em vão.

Um dia, após o trabalho, Emílio encontrou Clarice deitada na cama sem vida. No seu rosto uma feição de felicidade. Felicidade que havia desaparecido deste então.

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