domingo, 2 de outubro de 2016

Massacre do Carandiru faz 24 anos com júris de policiais anulados

74 policiais militares chegaram a ser considerados culpados.

4ª Câmara que anulou júris é mais favorável a policiais, diz pesquisa.

Do G1 São Paulo
BDBR - Carandiru (Foto: Reprodução/Bom Dia Brasil)BDBR - Carandiru (Foto: Reprodução/Bom Dia Brasil)


























O Massacre do Carandiru, como ficou conhecida a ação da Polícia Militar (PM) para controlar uma rebelião no pavilhão 9 da Casa de Detenção, na Zona Norte de São Paulo, faz 24 anos neste domingo (2). Ao todo, 111 presos morreram naquele 2 de outubro de 1992 e, até o momento, apenas um do policiais acusados está preso. E por outro crime.
Na última terça-feira (27), a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo anulou, por decisão majoritária, os julgamentos dos PMs condenados. Os júris foram reanalisados a pedido dos advogados dos policiais.
74 policiais militares chegaram a ser considerados culpados, em primeira instância, pelas mortes de 77 das vítimas (os outros 34 presidiários teriam sido mortos pelos próprios colegas de celas). Os sentenciados receberam penas que variavam de 96 a 624 anos de prisão. Somadas, elas chegavam a 20.876 anos.
Os defensores dos policiais alegam, entre outras coisas, que não é possível condenar os PMs sem individualizar a conduta de cada um deles - saber, por exemplo, quantos detentos cada agente matou. Um dos policiais condenados, por exemplo, teria dado um tiro, mas foi sentenciado por mais de 70 mortes.
Foto de arquivo de 2 de outubro de 1992 mostra carros da ROTA entrando na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) para conter uma rebelião. O episódio ficou conhecido como Massacre do Carnadiru, onde 111 presos foram assasisnados (Foto: Mônica Zarattini/Estadão Conteúdo/Arquivo)Foto de arquivo de 2 de outubro de 1992 mostra carros da ROTA entrando no Carandiru para conter rebelião
(Foto: Mônica Zarattini/Estadão Conteúdo/Arquivo)
Decisão majoritária
Não houve unanimidade entre os votos dos três desembargadores do TJ que reanalisaram o caso. O relator, Ivan Sartori, quis a absolvição de todos os PMs. Em um voto de 100 páginas, ele concordou que não houve a individualização das condutas. Como não foi feito confronto balístico nas armas apreendidas com os PMs e nos projéteis retirados dos presos mortos, não é possível saber qual policial matou qual preso dentro no Carandiru.
Os outros dois magistrados que votaram, Camilo Lellis e Edson Brandão, discordaram da absolvição e pediram a anulação dos júris já realizados e a convocação de novos julgamentos. Eles disseram entender que o voto dos jurados é soberano. Ambos, entretanto, ressaltaram crer que houve exagero nos atos cometidos pelos policiais na casa de detenção.
Com a decisão majoritária pena anulação dos júris, automaticamente ficou determinado que os policiais devem ser julgados novamente pelo "Massacre do Carandiru". A data, porém, ainda não foi marcada. O Ministério Público (MP) e a defesa dos parentes dos presos mortos vão recorrer da decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Como um dos magistrados sugeriu a absolvição dos agentes e outros dois desembargadores votaram pela marcação de novo júri, a defesa dos advogados poderá ainda recorrer com "embargos infringentes". Neste caso, os cinco juízes que compõem a 4ª Câmara do TJ se reuniriam para decidir pela absolvição ou realmente pela remarcação do julgamento.
, São Paulo, SP. 05/10/1992. Presos penduram faixa demonstrando luto na Casa de Detenção do Complexo Penitenciário do Carandiru, na zona norte de São Paulo, três dias após o massacre ocorrido no local, quando 111 detentos foram mortos pela Polícia Militar (Foto: Itamar Miranda/Estadão Conteúdo/Arquivo)Presos do Carandiru penduram faixa demonstrando luto três dias após o massacre ocorrido em outubro de 1992 (Foto: Itamar Miranda/Estadão Conteúdo/Arquivo)
Críticas à anulação
A decisão dos desembargadores do TJ causou indignação entre juristas e órgãos de defesa dos direitos humanos, conforme apurou o SPTV.  "O massacre do Carandiru e o processo de 25 anos revelam falhas do estado em todas as suas frentes. Da polícia, e do estado em julgar", afirmou Maria Laura Cenineu, diretora da organização Human Rights Watch (HRW).
Para o jurista Humberto Fabretti, professor de direito Penal e Processual Penal, a possível absolvição dos policiais seria uma afronta à Constituição. "A gente está numa interpretação equivocada da lei. Soberania da decisão do Tribunal do Júri. Absolver os policiais, ele entra no mérito da decisão, se jurados decidiram de maneira errada. A Constituição proíbe", disse.
Favorável a policiais
A 4ª Câmara Criminal é, tradicionalmente, a favor das autoridades policiais e contra civis acusados de crimes, aponta estudo da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) com apoio do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
O "massacre do Carandiru", como o caso ficou conhecido, ocorreu em 2 de outubro de 1992, durante rebelião de presos no pavilhão 9 na Casa de Detenção, na Zona Norte da capital paulista. Ao todo, 111 presos morreram.
“Os dados mostram que a 4ª Câmara é uma câmara criminal, tradicionalmente, contra os cidadãos acusados de serem bandidos e criminosos e mais a favor das autoridades policiais”, disse nesta quarta-feira (28) ao G1 o advogado Marcelo Guedes Nunes, presidente da ABJ e coordenador da pesquisa.
Os dados são de 2014 e analisaram 57.625 recursos de réus condenados por diversos crimes. De acordo com a pesquisa, a 4ª Câmara negou 80,7% dos 3.803 pedidos da defesa deles. Isso representa 3.070 recursos negados. Percentualmente é o maior índice de rejeição comparando com as demais câmaras criminais.
Para se ter uma ideia, a 12ª Câmara tem o menor índice de recursos negados: 15,6% -dos 2.590 pedidos, 404 foram recusados, segundo a pesquisa.
Massacre
Uma briga entre grupos rivais de presos deu início a rebelião no pavilhão 9 do Carandiru em 2 de outubro de 1992. O então comandante da Tropa de Choque da Polícia Militar (PM), coronel Ubiratan Guimarães, entrou na casa de detenção com seus comandados armados com fuzis, metralhadoras e revólveres para, em tese, controlar a situação.
À época, o governador de São Paulo era Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB) e o secretário da Segurança Pública, Pedro Franco de Campos. Dos 77 policiais que haviam sido condenados pelo "massacre do Carandiru", apenas um está preso, mas por outros crimes (os assassinatos de seistravestis).
Em 8 de março de 1993, o MP acusou 120 PMs de homicídio, tentativa de assassinato e lesão corporal cometidos contra 111 presos. Não houve registro de policiais mortos. Os agentes alegaram que atiraram para se defender dos detentos que estariam armados.

Em março de 1998, 85 PMs se tornam réus no processo que apura os assassinatos dos presos. Um deles é o coronel Ubiratan, que é condenado, em 29 de junho de 2001, a 632 anos de prisão por 102 mortes. Mas, em 2006, a defesa do oficial afastado recorre e o TJ-SP o absolve. No mesmo ano, o coronel é morto. Sua namorada, Carla Cepollina chegou a ser acusada do crime, mas foi inocentada em 2012.
Foto de arquivo de 2 de outubro de 1992 mostra multidão de parentes e curiosos na entrada da Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) a espera pelo final do confronto entre detentos e policiais (Foto: Heitor Hui/Estadão Conteúdo/Arquivo)Foto de 92 mostra multidão de parentes e curiosos na entrada do Carandiru à espera de notícias sobre confronto (Foto: Heitor Hui/Estadão Conteúdo/Arquivo)
Posteriormente, foram realizados mais cinco júris entre abril de 2013 e dezembro de 2014. Veja abaixo como eles foram:
21 de abril de 2013
23 PMs condenados a 156 anos de prisão cada um pelas mortes de 13 detentos do 1º pavimento. As mortes de 2 detentos foram descartadas por haver dúvidas se foram mortos pelos policiais; teriam sido mortos pelos próprios detentos. Três PMs que eram réus foram absolvidos.

3 de agosto de 2013
25 PMs das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) condenados a 624 anos de prisão cada um pelas mortes de 52 detentos do 2º pavimento. As mortes de 21 detentos foram descartadas por haver dúvidas se foram mortos pelos policiais; teriam sido mortos pelos próprios detentos.

19 de março de 2014
9 PMs do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) condenados a 96 anos de prisão cada um e 1 PM também do Gate a 104 anos pelas mortes de 8 detentos do 4º pavimento. As mortes de 7 detentos foram descartadas por haver dúvidas se foram mortos pelos policiais; teriam sido mortos pelos próprios detentos.

31 de março de 2014
15 PMS do Comando de Operações Especiais (COE) condenados a 48 anos de prisão pelas mortes de 4 detentos do 3º pavimento. As mortes de 4 detentos foram descartadas por haver dúvidas se foram mortos pelos policiais; teriam sido mortos pelos próprios detentos.

10 de dezembro de 2014
1 PM da Rota é julgado separadamente e condenado a 624 anos de prisão pelas mortes de 52 detentos do 2º pavimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário