Clarice sempre fora
uma mãe dedicada e mulher exemplar. Advogada de formação e dona de casa por
opção, Clarice abandonou uma carreira promissora em um dos melhores escritórios
de advocacia do país, por uma vida tranqüila, ao lado da pessoa que sempre amou
em toda a sua vida, Emílio, médico pediatra e de seus filhos. Dois, estes, como
ela sempre dizia: seus bens mais preciosos.
Perdidamente
apaixonada por sua família, Clarice era muito feliz pelas escolhas que fizera
em sua vida. Sentia-se realizada; Tinha um bom marido. Filhos maravilhosos. Uma
vida perfeita.
Aquele dia era um dia muito especial para Clarisse.
Emilio faria cinqüenta anos e ela queria lhe fazer uma surpresa. Por isso,
convidou seus amigos e familiares para uma festa, uma grande festa.
Uma festa inesquecível.
Como Emílio saia de manhã e só voltaria à noite, ela
teria o dia todo para organizar a tão sonhada festa. Tão merecida festa. E, o
que era melhor, Emílio nem desconfiaria da surpresa.
Os dias anteriores não foram fáceis para ela, ter que
esconder de Emílio o que tramara por meses era quase que impossível. Não sabia
mentir. Não sabia omitir. Em vários anos
de casamento nunca mentira ou omitira qualquer coisa de Emílio. Por isso, o
simples fato de realizar aquela festa, estava lhe tornando um sofrimento sem
fim. Graças a Deus havia terminado. E todo o esforço seria recompensado naquela
noite.
Desde cedo, uma correria tremenda tomou conta de todos.
Filhos, empregados e familiares entravam e saiam da casa, todos, sob as ordens
de Clarice. Na verdade a casa estava um caos. Uma bagunça só. Mas, todos se
esforçavam para fazer o melhor.
Clarice merecia. Emilio também.
E tudo, tudo seria perfeito.
De repente, Emilio chega. Assusta-se com a movimentação.
Sem entender procura a emprega, que se esquiva. Nervoso ele vai até Clarice
que, a princípio, não sabe o que fazer. Sem opção, sem desculpas para contornar
aquela situação Clarice abre o jogo. Conta-lhe tudo. A surpresa fora desfeita.
Clarice ficou chateada, afinal, após tanto esforço para manter tudo em segredo,
este fora descoberto por causa de um celular que Emilio esquecera.
“Maldito
celular” - pensou.
Emilio, então, friamente olhou-a nos olhos, e sem nenhuma
misericórdia, disse-lhe para parar com tudo. Não queria festa alguma. Não
queria homenagem alguma.
Descontrolado, ameaçou nem voltar para casa, caso ela
mantivesse aquela idéia e saiu, foi embora. Foi embora sem nem olhar para trás.
Não quis ouvir os argumentos dos amigos e dos filhos que estavam lá.
Simplesmente se foi.
Clarice passou a tarde toda a chorar. Trancada no quarto,
não atendeu ninguém. À noite, desceu para o jantar. Agiu como se nada tivesse
acontecido. E assim foi dia após dia. Nunca disse uma palavra acerca do
ocorrido naquela tarde. Mas, todos sabiam que aquela situação a machucara
muito. Viam em seus olhos uma tristeza. Uma angustia sem fim. Mas, nunca, nunca
reclamou, nunca disse uma só palavra acerca dos seus sentimentos. Uma só
palavra acerca dos fatos ocorridos naquele fatídico dia.
Tempos depois, Clarice adoeceu. Câncer, disseram.
A
verdade é que aos poucos Clarice foi morrendo. Sua vida foi esmaecendo.
Escapando pelas mãos, como areia. Ela não lutou, nem um instante sequer.
Simplesmente se entregou.
Emílio
fez o que pode, desculpou-se, pediu perdão, sabia que era a razão do desgosto
de Clarice. Mas em vão.
Um
dia, após o trabalho, Emílio encontrou Clarice deitada na cama sem vida. No seu
rosto uma feição de felicidade. Felicidade que havia desaparecido deste então.
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